01/06/11

Eu também já fui criança

Incrivel quando penso nisso.
O tempo passa tão rápido.
Hoje as minhas crianças foram passar este dia na praia. Estavam numa euforia louca e tiveram até direito a bikini e roupas novas. E lá tive que espalhar o protector solar pelo corpinho todo e no cabelo. Que cheirinho a Verão!
Apetecia-me ir com elas e voltar a ser criança de novo. Feliz e despreocupada.
Sou da colheita de 71, nascida e criada numa aldeia onde toda a gente se conhecia e todas as crianças brincavam na rua, livres e soltos.
Íamos para a escola a pé, embora esta ficasse a 2km de casa. Ou tinhamos aulas de manhã ou de tarde e o tinhamos o resto do dia para brincar e fazer os "deveres". Eu fazia parte da turma da tarde. As aulas começavam ás 13:30h e terminavam ás 18:30h e lá vinhamos nós ás escuras, pelo meio dos campos e caminhos de terra batida, onde nem luz pública havia. Era uma diversão pois passavamos o tempo a pregar sustos uns aos outros. Quando chovia e não tinhamos levado guarda chuva é que os pais nos vinham buscar, também a pé.
Chegados em casa tinhamos sempre o fogão de lenha aceso e pão torrado no forno e barrado com "planta".
Viamos o programa "Animação" com Vasco Granja (quem se lembra?) ou outro desenho animado qualquer. Naquele tempo só tinhamos 2 canais de TV e um deles (RTP2) só abria á tarde.
Ao jantar comiamos sempre sopa, e depois tinhamos sempre um jantar feito com produtos cultivados pela familia e as galinhas, a vitela, o porco, o coelho, toda  a carne que comiamos era criada no campo e ao ar livre, ou pelos meus pais que embora tivessem a sua profissão, também se dedicavam á horta e aos animais nos tempos livres, ou então pelos meus tios, irmãos do meu pai que eram todos agricultores. Por isso eu e e os meus irmãos nunca fomos gordos e sempre tivemos uma alimentação saudável. Havia sempre fruta na árvore e até a água do poço era potável.
No fim de jantar vinhamos brincar sempre para a rua com os vizinhos, e quando os nossos pais nos chamavam para tomar banho e ir dormir, estavamos todos pretos da terra.
De manhã acordavamos cedo e faziamos os trabalhos de casa. Depois brincavamos até á hora do almoço.
Nas férias grandes não iamos de férias para lado nenhum. Ninguém ia e também ninguém fazia questão. Eram 3 meses de liberdade total.
Como o meu pai trabalhava durante a noite e a minha mãe durante o dia, nós tinhamos a manhã por nossa conta. Saltavamos da cama ás 8h e iamos para o monte, andar de bicicleta, trepar árvores, correr, pular, sujar-nos... Tinhamos que regressar para almoçar e á tarde costumavamos ir com o meu pai ajudar os tios e avós nos campos. Lá iamos todos felizes deitados no carro de bois da avó e levavamos os nossos (escassos) brinquedos para brincar debaixo das ramadas. Para o lanche o meu pai preparava-nos fruta e pão com geleia ou compotas de fruta feitas pela minha mãe. Depois a avó ou as tias traziam a merenda para todos: pataniscas, bolinhos de bacalhau feitos pela avó, azeitonas, tremoços, rosquilhos (que saudades dos rosquilhos), broa caseira, etc.. etc..
Para nós crianças aquilo era a felicidade total. Qual playstation, consolas, telemóveis, brinquedos caros. A gente era feliz com pouco. Andar descalça na terra, na erva do campo, correr no meio dos campos de papoilas e camomila. Jogar ao pião, á macaca, ao mata, ao "aqui vai alho", com carrinhos de rolamentos e com pneus.
Corriamos atrás das borboletas, coleccionavamos papelotes dos rebuçados e acreditavamos no Menino Jesus. Era ele que nos trazia as prendinhas de Natal. Aliás, A prendinha. Era só uma. Os avós, os tios, os primos, os pais, os padrinhos, ninguém oferecia prendas de Natal,apenas o Menino Jesus. Colocavamos um sapatinho na chaminé e iamos para casa dos avós. Só mais tarde percebiamos porque a minha mãe dizia que se esquecia sempre de algo e voltava sempre para trás. Claro, a prendinha tinha que lá estar quando voltassemos dos avós. O Menino Jesus era muito pontual e chegava sempre á meia noite.
A casa da avó era em pedra e o chão em madeira que rangia com a correria dos netos todos. A cozinha estava sempre carregada de fumo devido á lareira onde as tias conversavam enquanto faziam cevada. Os homens fumavam um charuto e jogavam cartas, enquanto bebiam vinho do porto. Nós, crianças jogavamos ao pinhão ou ás cartas. Os doces eram os tipicos e o bacalhau com batatas e couves não podiam faltar. Á meia noite a minha avó vestia o seu xaile preto e perguntava quem a queria acompanhar á missa do galo. Eu ia sempre. Só para estar mais tempo com ela. E dava-lhe a mão. Apertava-a com força, com medo que ela me fugisse. Ela olhava-me com uma ternura infinita e eu achava-a a avó mais bonita e amorosa do mundo.
Eu era feliz e sabia. Eu amava aquela casa velhinha, o cheiro a fumo, canela, cevada e a pinhas queimadas.
Amava quando lá dormia numa cama em ferro, muito antiga, com lençois impecavelmente brancos e bordados á mão. Cheiravam a alfazema e eu fechava os olhos e adormecia de felicidade. Quando me levantava de madrugada para ir á casa de banho, tinha que passar na varanda pois todos os quartos tinham saída directa para a varanda, e via o nascer do sol, atrás dos montes. Aquelas cores mágicas, aliadas ao cheirinho da manhã, ao cantar do galo, á brisa matinal, deixavam-me embasbacada e por vezes ia acordar a minha prima que também dormia lá, para ver aquele cenário. Minha avó levantava-se muito cedo pois tinha que levar as vacas a tirar o leite e ria-se das tontas das netas, acordadas aquela hora a admirar a beleza do nascer do dia. Nós pediamos-lhe para ir com ela e como nunca nos negava nada, lá iamos todas felizes, ás 6:30h da manhã para um posto de leite, onde só haviam idosos, cheiro a vacas e conversas de adultos. Eu era apaixonada por aquela vida, pelo contacto com a natureza e pela proximidade com a minha avó. Tinha e tenho um medo terrivel das vacas mas nem isso me detia.
Claro, que só dormia e passava dias na casa da avó quando estava de férias, mas muitas vezes magoei os meus pais pedindo-lhes que me deixassem ir viver para casa dela.  
Lá, eu tinha os patos, as galinhas, os perus, as vacas, as ovelhas, os cães, os gatos, os pássaros, o tanque grande onde nadavamos e também lavavamos roupa, o palheiro onde nos divertiamos a saltar em cima da palha e a procurar ovos das galinhas.
Ai, ai,  o tempo passa, mas a saudade fica. E este post já vai muito longo. Sorry, entusiasmei-me.
Até amanhã amigas. Obrigada pelo apoio e pelas mensagens de força, no post anterior. Eu hei-de sobreviver.
Entretanto digo-vos que estou de volta á luta contra os quilos.

5 comentários:

  1. É tão bom recordar...e sim, o tempo voa..ai ( suspiro)

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  2. Há memórias que nos vão acompanhar para sempre, e quando são boas, temos saudade... o tempo passa a correr...
    Bjinho

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  3. Eu sou do ano 73 e lembro-me bem da "planta" e de ir para as filas para comprar o leite com e aminha mãe porque só davam 1 pacote a cada pessoa por isso ela levava-me....tb ia a pé para a escola bons velhos tempos!

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  4. Eu sou miúda da cidade da colheira de 75. Adorei o teu post, parecia um filme dos anos 80. E sente-se que eras feliz, muito feliz. Beijo

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  5. Quem dera que o tempo voltasse para tras, fico tao triste quando os miudos se recusam a sair de casa. Eu tento incentivar tudo que seja ao ar livre com o meu filho, mas há coisas que se perderam e que já não da para voltar atras, infelizmente já não é tão seguro os miudos andarem sozinhos como antes se andava :(
    Adorei o teu post e fiquei com o coraçao pequenino de me lembrar que os meus filhos não passarão por momentos tao puros e genuinos.

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